O que é o estrabismo?

Estrabismo, ou vesgueira, é uma anomalia dos olhos em que eles perdem o paralelismo entre si. Enquanto um dos olhos olha em frente, o outro está desviado. Existem diversos tipos de estrabismo; o olho afetado pode estar desviado em direção ao nariz (estrabismo convergente – Fig. 1), para o lado (estrabismo divergente – Fig. 2), para cima ou para baixo (estrabismo vertical – Fig. 3). Pode haver uma combinação de desvio horizontal e vertical num mesmo paciente, como, por exemplo, em direção ao nariz e para cima.

O estrabismo pode estar presente já no início da vida ou surgir mais tarde, ainda na infância. Pode também aparecer ainda mais tarde, mesmo em adultos, neste caso geralmente causado por alguma doença física não ocular, como o diabetes e doenças neurológicas, ou devido a um traumatismo na cabeça. A incidência, neste último caso, tem-se tornado mais freqüente com o aumento dos acidentes de trânsito.

Quando surge no adulto, ou na criança grande, o primeiro sintoma do paciente é a visão dupla (diplopia). Nos estrabismos adquiridos mais cedo, não há esse sintoma. Em certos casos, o estrabismo é chamado alternante, porque em alguns momentos está desviado um dos olhos (enquanto o outro olha para frente) e em outros a situação se inverte. É comum parentes ou amigos dizerem aos pais de uma criança estrábica que “isso sara sozinho”, pois isso ocorreu com um seu filho. Trata-se de má interpretação dos fatos, pois o estrabismo jamais sara espontaneamente.

Quando os pais perceberem que o seu filho não sarou, pode ser tarde demais, o filho já perdeu irremediavelmente a visão de um olho. O que ocorre é que, antes dos 4 meses de idade, os olhos podem “dar umas desviadinhas”, porém raramente e por períodos de tempo muito curtos. Isso ocorre porque os reflexos que alinham os olhos ainda não estão maduros. Não se trata de estrabismo, pois estrabismo é uma doença e essas “desviadinhas” antes dos 4 meses são “normais”, ou seja, não constituem doença. Após os 4 meses, isso já não pode mais acontecer. O “sara sozinho” do amigo foi nada mais do que o desaparecimento normal de um fato normal; mas qualquer desvio ocular freqüente ou permanente, em qualquer idade, é doença, é estrabismo, e estrabismo não sara sozinho.

O estrabismo é apenas um problema de posicionamento dos olhos?

Não. O desvio dos olhos é o que se vê. Atrás dele há problemas sensoriais, cerebrais, na área da visão. Tentarei explicar isso de maneira simples.

Quando uma pessoa normal olha para um objeto, este forma imagens na retina de cada um dos olhos. Essas duas imagens vão ao cérebro, o qual as funde, e o indivíduo vê só uma imagem. Se estamos olhando para um objeto situado a 2 m de distância e colocamos um dedo à frente do nariz, percebemos o dedo em duplicata (diplopia). Se agora olharmos para o dedo, o objeto distante é que será percebido duplo.

A visão dupla é, então, o gatilho de um reflexo, por meio do qual alinhamos os olhos para que ambos olhem para o objeto que nos chama a atenção. Esse reflexo (reflexo de fusão) é o responsável pela manutenção do adequado alinhamento dos olhos a todo momento durante a vida. Devido a ele, o indivíduo normal nunca fica estrábico.

A pessoa que nasceu estrábica ou adquiriu o estrabismo muito cedo, antes de um ano de idade, usa outro mecanismo para não ver duplo; em vez de alinhar os olhos, suprime a imagem que se formou na retina do olho desviado. Essa imagem não chega ao cérebro. Com isso, ele fica livre da visão dupla, mas sofre uma conseqüência grave. As células cerebrais responsáveis por esse olho atrofiam, por falta de uso; a visão desse olho fica baixa, complicação chamada ambliopia. Note-se que esse mecanismo não ocorre nos estrabismos adquiridos tardiamente; a diplopia é constante, só desaparecendo com o realinhamento cirúrgico dos olhos.

Como tratar ou prevenir a ambliopia (estrabismo)?

A ambliopia pode ser curada, desde que um tratamento adequado se inicie muito cedo, antes dos 2 anos de idade. Depois disso, as possibilidades de cura pioram rapidamente, pois células cerebrais atrofiadas não podem ser recuperadas. É por esse motivo que o estrabismo é uma questão de urgência. A criança deve consultar um médico oftalmologista especializado em crianças o mais rapidamente possível, assim que o desvio dos olhos é percebido. Por outro lado, todas as crianças devem fazer um “check-up” oftalmológico de rotina, mesmo que não haja nenhuma queixa quanto aos olhos, em torno de um ano de idade, pois há estrabismos de muito pequeno ângulo de desvio, que não são percebidos pelas pessoas não especializadas, mas são suficientes para causar ambliopia. Além disso, pode ocorrer que a criança tenha um defeito (miopia, hipermetropia ou astigmatismo) num só olho.

O comportamento visual dessa criança é normal, pois o olho não afetado tem boa visão, mas o afetado desenvolverá ambliopia. Somente o especialista habituado ao tratamento de crianças está capacitado a fazer esse diagnóstico e instituir o tratamento adequado, que, como disse acima, só será efetivo se iniciado cedo.

O tratamento da ambliopia é feito antes do tratamento do desvio dos olhos.

O tratamento da ambliopia fica claro após o que foi dito acima. Por que o olho tornou-se amblíope? Porque não foi utilizado durante a fase de maturação da criança. O que fazer então? Obriga-la a utilizar esse olho (chamado vulgarmente “olho preguiçoso”). Isso se consegue ocluindo (tapando) o olho bom durante algum tempo, de forma contínua ou interrompia, dependendo do caso. O oftalmologista precisa acompanhar a criança, para ir dosando a oclusão de acordo com a evolução do tratamento, para evitar que o olho que se está ocluindo torne-se também amblíope.

Uma vez normalizada a visão do olho afetado, costuma ocorrer um fato que assusta os pais: o estrabismo, que era de um só olho, transforma-se em alternante, isto é, cada hora é um dos olhos que desvia. Isso é o sinal de que a visão de ambos os olhos está igualada; é o que se desejava, a ambliopia está curada.

Como corrigir o desvio dos olhos?

Eliminada a ambliopia, passa-se a tratar do desvio dos olhos. Em alguns casos, isso se consegue apenas com o uso de óculos, mas, na grande maioria das vezes, o tratamento é cirúrgico.

Ao ouvir falar em operação dos olhos, os pais geralmente se assustam. Afinal, um órgão tão delicado; não há risco de perder a visão? Os riscos são diminutos. O maior risco é não ficar tão perfeito como se deseja e ser necessário um retoque. É uma possibilidade que ocorre em aproximadamente 25 % dos casos. Mas, após o primeiro ato cirúrgico, os pais perdem o medo, pois viram que a operação traumatizou a criança muito pouco, ou quase nada.

A cirurgia não é feita sobre o olho – este é perfeito. O problema está nos músculos que o movimentam, como as rédeas de uma carroça. Imagine uma carroça, com o cavalo à frente. Se uma rédea for muito curta, a cabeça do cavalo ficará desviada para o lado dela. Para endireitar a cabeça, não se vai tocar nela, mas sim na rédea, que será alongada ou encurtada. Assim é a operação de estrabismo – trabalha-se sobre os músculos.

A internação hospitalar é de poucas horas e a recuperação é rápida; os olhos ficam vermelhos por alguns dias, mas isso não impede as atividades normais do paciente, exceto a freqüência a piscina ou mar por alguns dias. Outro fato que amedronta os pais é a anestesia geral. O que tenho a dizer sobre isso é que opero crianças há 50 anos, sem nunca ter tido nenhum acidente anestésico, por menor que seja. Já operamos juntos alguns milhares de pacientes. Esse é o tamanho do risco anestésico, na minha estatística. Não digo que não há risco, mas estou certo de que ele não é maior do que uma viagem de avião ou de carro, ou mesmo a pé, na cidade de São Paulo.

Um problema relacionado ao ato cirúrgico é o traumatismo psicológico da criança, ao entrar desacompanhada dos pais no centro cirúrgico. Este é um problema importante, que eu evito por meio do trabalho de um psicanalista especializado em crianças. Estas vão ao seu consultório nas vésperas da operação, acompanhadas dos pais, e o analista estabelece um vínculo muito forte de amizade e confiança com elas, além de exibir-lhes os instrumentos que serão utilizados durante a anestesia. Ao chegar ao hospital, o analista encontra-se com elas no quarto e leva-as ao centro cirúrgico pela mão. Este método tem eliminado quase inteiramente o choro e a má lembrança que um ato traumático pode deixar por muitos anos.

E se a ambliopia não puder mais ser curada?

Nos casos em que a ambliopia já não é mais curável, porque ultrapassou-se o tempo hábil, a correção cirúrgica do estrabismo passa a ter finalidade apenas estética. Mas esse “apenas” não significa que ela seja menos importante. Um defeito físico localizado nos olhos provoca seguramente problemas sérios de ordem emocional; quando duas pessoas conversam, cada uma olha para os olhos da outra. Se uma delas tem os olhos desviados, a sua auto-estima baixa enormemente. No adulto, isso é extremamente incômodo, e, numa criança, traz como conseqüência sérias neuroses, que a acompanharão para o resto da vida.

Alterações oculares podem provocar mau posicionamento da cabeça (torcicolo)?

Sim. Há certas anomalias do aparelho oculomotor que podem provocar mau posicionamento da cabeça (torcicolo).

Pré-cirurgico Pós-cirurgico

Freqüentemente esses casos são mal diagnosticados, crendo-se que a anomalia reside no pescoço. Existe, realmente, um torcicolo, chamado “torcicolo congênito”, causado por inelasticidade e encurtamento de um dos músculos do pescoço (o esterno-cleido-mastoídeo). O diagnóstico diferencial entre as duas situações é fácil; no torcicolo de causa ocular, a cabeça pode ser endireitada, ou mesmo inclinada para o outro lado, enquanto, no causado pela anomalia muscular do pescoço, não se consegue endireitas a cabeça, mesmo passivamente, tentando fazê-lo com as mãos.

Algumas vezes, o mau posicionamento da cabeça é uma atitude inconsciente, com a finalidade de melhorar a visão; esses casos são acompanhados de nistagmo (tremor dos olhos), que diminui muito a capacidade visual, mas que pode ser reduzido colocando os olhos em certa posição. O indivíduo, então, gira (ou inclina) a cabeça a fim de colocar os olhos naquela posição e, assim, enxergar melhor. Em qualquer dos casos de torcicolo de causa ocular, pode-se eliminá-lo por meio de uma operação, do mesmo tipo da cirurgia do estrabismo.

EM RESUMO: O estrabismo deve ser tratado assim que é percebido pela primeira vez e todas as crianças devem consultar um oftalmologista especializado em crianças em torno de um ano de idade, mesmo que não se perceba a existência de nenhum problema ocular. Essas duas providências podem evitar sérios problemas visuais. Lembrar que posição viciosa de cabeça pode ser causada por problema ocular.

Referência: Dr. Carlos R. Souza Dias CRM/SP 7449 RQE 4285